Descrição
O que há entre as frestas da liturgia e dos símbolos do direito? Esta obra, versão comercial da tese de doutorado de Guilherme Pupe da Nóbrega, busca levantar algumas hipóteses a partir da ideia de discricionariedade judicial.
Locução de conteúdo fluido, que ora tem designado a utopia de uma interpretação objetiva, ora o preenchimento de lacunas normativas, ora, ainda, o arbítrio puro e simples, a discricionariedade judicial surge como “categoria jurídica” que mais parece ser apropriada ao sabor do objetivo que mova o intérprete: seja para utilizá-la como instrumento, seja para contra ela erigir a mais vigorosa crítica. Exatamente por isso, talvez, não se trate propriamente de instituto jurídico, não exprimindo um conceito, mas, sim, expressão cujo sentido — a tautologia é inevitável — é discricionariamente preenchido por aquele que dela se valha, segundo o propósito que o mova. É a partir dessa inquietação que este livro, desenvolvido em três partes, escrutina a discricionariedade.
Percorrendo a espinha dorsal da obra, a primeira parte inicia pelas bases dogmáticas tomadas emprestadas como supostas fiadoras teóricas da ideia atual de discricionariedade judicial no Brasil, passando, em seguida, a uma pesquisa empírica que investiga a incidência do uso da discricionariedade judicial como fundamento. A segunda parte, de sua vez, busca falsear a ideia de discricionariedade judicial a partir de diferentes perspectivas: neurojurídica, semiológica, hermenêutica e sistêmica. De modo geral, o ponto que se vai construindo em camadas pretende demonstrar que a discricionariedade judicial revela um entre tantos artefatos por meio dos quais as decisões abdicam de enfrentar as complexidades da atualidade, cada vez mais com isso dissociando-se de uma atualidade fragmentada. O protagonismo particularmente desempenhado pela discricionariedade judicial talvez resida exatamente nisto: como expediente que patrocina uma esquiva da absorção da complexidade contemporânea, escancara ela a inoperância de um modelo de decibilidade fundado em mera simbologia retórica; um modelo decisional que provoca mais desregulamentação do que os dilemas que busca solucionar.
Finalmente, a terceira e derradeira parte envereda por abordagens da discricionariedade judicial que sejam capazes de desvelá-la e combatê-la, enaltecendo o papel da doutrina como ferramenta de constrangimento epistemológico e resgatando o processo judicial como instrumentalizador de direitos fundamentais e de contraponto a um desmedido poder estatal.
Enfim, se soa um truísmo o fato de que não é possível renegar ou controlar o subjetivismo, disso não decorre que a irritação causada no sistema pela discricionariedade deva conduzir à sua filtragem para que passe ela a integrá-lo. Ou seja, embora se sustente não ser a discricionariedade categoria jurídica integrante do sistema, não quer isso dizer que seja impossível lidar com o subjetivismo judicial juridicamente, exatamente por ser ele inevitável, até inconsciente.
VER MAIS